"O problema dos olhos pretos e dos olhos azuis" é apresentado em meio a uma das muitas aventuras do calculista persa Beremiz Samir, protagonista do livro O Homem que Calculava, de Malba Tahan (sobre o qual já falei em uma das primeiras publicações aqui no blog). O problema é similar ao famoso enigma do honesto e do mentiroso, mas envolve um detalhe a mais que torna tudo ainda mais interessante. A versão do problema que aqui proponho é ligeiramente diferente daquela contida no livro, pois a versão original, tendo sido direcionada para crianças, é fácil demais.
Na história de Malba Tahan, o habilidoso calculista, para poder se casar com sua amada Telassim, é confrontado por um desafio de raciocínio lógico proposto pelo califa Al-Motacem. Se ele conseguir resolver esse enigma – sobre o qual, segundo o califa, centenas de sábios, poetas e escribas já pensaram sem sucesso –, então poderá se casar com Telassim; caso contrário, terá que desistir para sempre do seu amor.
Eis o desafio do califa:
– Tenho quatro lindas escravas; comprei-as há poucos meses de um príncipe mongol. Dessas quatro encantadoras meninas, duas têm os olhos negros, e as duas restantes têm os olhos azuis. As duas escravas de olhos negros, quando interrogadas, sempre dizem a verdade. As escravas de olhos azuis, ao contrário, são mentirosas, isto é, nunca dizem a verdade. Dentro de alguns minutos, essas quatro jovens serão conduzidas a este salão; cada uma delas terá o rosto inteiramente coberto por um véu espesso que tornará imperceptível o menor traço fisionômico. Contudo, as meninas conhecem tão bem umas às outras que são capazes de dizer, mesmo com o véu, qual é a coloração dos olhos das demais. Terás que descobrir e indicar, sem a menor possibilidade de erro, quais as mulheres de olhos negros e quais as de olhos azuis. Poderás interrogar três das quatro escravas, não sendo permitido, em caso algum, fazer mais de uma pergunta à mesma jovem. Com auxílio das três respostas obtidas, o problema deverá ser resolvido com todo o rigor, sem margem para dúvidas. E as perguntas devem ser de tal natureza que somente as próprias escravas sejam capazes de responder com perfeito conhecimento.
E então, você é capaz de solucionar o enigma? Não leia a resposta ao final desta página antes de tentar sozinho!
DESAFIO-EXTRA: apesar de o problema original permitir que o calculista faça perguntas a três das mulheres, afirmo que apenas uma pergunta é suficiente para que se descubra, inequivocamente, a cor dos olhos de cada uma delas. Tente você também resolver o problema nessa "versão hard"!
DESAFIO-EXTRA: apesar de o problema original permitir que o calculista faça perguntas a três das mulheres, afirmo que apenas uma pergunta é suficiente para que se descubra, inequivocamente, a cor dos olhos de cada uma delas. Tente você também resolver o problema nessa "versão hard"!
RESPOSTA (não leia antes de tentar sozinho!): Para a versão original do problema, no qual é permitido que Beremiz faça perguntas a três mulheres, a solução apresentada no livro é a que segue.
Beremiz pergunta a uma das mulheres:
– De que cor são os teus olhos?
Após a resposta, faz a seguinte pergunta à segunda:
– Qual foi a resposta que a sua companheira acabou de proferir?
À terceira, questiona:
– De que cor são os olhos das demais garotas?
Com isso, ele é capaz de indicar sem sombra de dúvida qual é a cor dos olhos de cada uma delas.
Vejamos: ao formular a primeira pergunta ("qual é a cor dos teus olhos?"), Beremiz sabia que a resposta seria fatalmente a seguinte: "os meus olhos são pretos". Com efeito, se ela tivesse os olhos negros, diria a verdade, isto é, afirmaria "meus olhos são pretos". Se tivesse os olhos azuis, mentiria, ou seja, afirmaria que seus olhos são negros. Logo, a resposta da primeira escrava era única, forçada e bem-determinada.
Com a segunda pergunta ("qual foi a resposta que a sua companheira acabou de proferir?"), Beremiz pôde determinar a cor dos olhos da segunda mulher. Ora, se ela dissesse que a amiga afirmou ter olhos pretos, saberia que essa segunda estava falando a verdade, e, portanto, que ela tem olhos pretos. Caso contrário, perceberia a mentira e concluiria que a mulher tem olhos azuis.
Por derradeiro, a terceira pergunta ("de que cor são os olhos das demais garotas?") permite que Beremiz não só identifique se a terceira mulher diz a verdade ou a mentira, mas também que ele saiba a versão dessa terceira mulher sobre a cor dos olhos de cada uma das demais. Por exemplo, se Beremiz tiver notado que a segunda mulher tem olhos azuis e a terceira afirmar que a segunda tem olhos pretos, saberá que a terceira mulher só conta mentiras, então bastará que ele inverta a resposta dada por ela sobre a coloração dos olhos das outras mulheres e terá a verdade. Se a terceira mulher disser a cor verdadeira do olhos da segunda, então a resposta estará entregue de imediato: as cores são as mesmas que ela indicar.
RESPOSTA DA "VERSÃO HARD": o problema pode ser solucionado por um raciocínio análogo ao apresentado acima, mas substituindo as três perguntas por uma só, um pouco mais elaborada, que é esta:
– Imagine que aqui com a gente exista uma quinta mulher e que ela, tendo olhos azuis, nunca diga a verdade. Nesse caso hipotético, se eu perguntasse para ela qual é a cor dos olhos de cada uma de vocês, incluindo os dela própria, o que ela diria?
Se a resposta indicar duas mulheres de olhos pretos e três de olhos azuis, saberei que fiz a pergunta a uma mulher de olhos azuis. Se indicar duas mulheres de olhos azuis e três de olhos pretos, saberei que fiz a pergunta a uma mulher de olhos pretos.
Se a resposta indicar duas mulheres de olhos pretos e três de olhos azuis, saberei que fiz a pergunta a uma mulher de olhos azuis. Se indicar duas mulheres de olhos azuis e três de olhos pretos, saberei que fiz a pergunta a uma mulher de olhos pretos.
Vou explicar o porquê disso. (Vale a pena ter papel e lápis na mão para fazer rascunhos que facilitem entender cada passo do raciocínio).
Note que, no caso hipotético por mim apresentado, existem duas mulheres de olhos pretos e três de olhos azuis. Uma mulher de olho azul indicaria o oposto disso. Quando pergunto a uma mentirosa o que a de olho azul indicaria, ela terá que indicar o oposto do oposto, ou seja, a verdade (que existem duas de olhos pretos e três de olhos azuis). Se pergunto a uma honesta o que a de olho azul indicaria, ela terá que indicar apenas o oposto do que existe na minha hipótese (duas de olhos azuis e três de olhos pretos). Como já sabemos de antemão as quantidades corretas, a pergunta possibilita que eu identifique a cor dos olhos da mulher para a qual eu fiz a pergunta.
De posse dessa informação e da versão que ela deu para a minha pergunta, basta fazer as deduções necessárias e concluir a cor dos olhos de cada uma delas.
Por exemplo, se eu já tiver descoberto que a pergunta por mim formulada foi feita para uma mulher de olho azul e ela tiver dito que a quinta mulher responderia que a ordem da cor dos olhos das mulheres é "azul, azul, preto, preto, azul", eu saberei que essa ordem é o oposto do oposto (pois é a versão de uma mentirosa sobre uma mentira), sendo, portanto, a ordem correta. Logo, as duas primeiras têm olhos azuis e as duas últimas têm olhos pretos.
Se, por outro lado, a ordem "azul, azul, preto, preto, preto" tiver sido apresentada por uma mulher que eu já concluí ter olhos negros, eu saberei que essa ordem é o oposto da ordem verdadeira (pois é a versão de uma honesta sobre uma mentira). Logo, a ordem correta é "preto, preto, azul, azul, azul".
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