quarta-feira, 3 de junho de 2020

Os últimos anos de Felix Hausdorff

A não ser que você viva como um eremita ou resida em alguma pequena comunidade agrícola auto-sustentável (casos em que você não estaria lendo este texto), toda tecnologia que o cerca, do celular à internet, provém direta ou indiretamente de pesquisas e trabalhos intelectuais que levaram décadas para se concretizar. E quase todas essas pesquisas têm suas raízes na matemática ou ao menos utilizam a matemática como ferramenta indispensável.

Na matemática, similarmente a qualquer outra área de pesquisa ou ramo de serviço, existem pessoas fantásticas que trabalham arduamente dia após dia para desenvolver teoremas e apresentar resultados abstratos que um dia virão a encontrar aplicabilidades práticas diversas, mas ainda insuspeitas. Também existem alguns poucos indivíduos, desses que aparecem apenas uma vez ou outra a cada geração, que são "monstruosas", de inteligência descomunal, e conseguem não só desenvolver resultados impressionantes com base em ideias já existentes, mas também fornecer toda uma nova estrutura sobre a qual os demais estudiosos vão construir suas futuras pesquisas, por séculos e mais séculos e além. São praticamente anjos anônimos da humanidade que, no silêncio de seus gabinetes, só com lápis e papel, trazem o verdadeiro progresso para os povos.

Felix Hausdorff era uma dessas pessoas. Talentoso e empenhado além de qualquer parâmetro imaginável, Hausdorff, que viveu na Alemanha no começo do século passado, desenvolveu pesquisas que até hoje são difíceis de serem sequer absorvidas mesmo por estudantes dedicados, e foi ele um dos fundadores e principais colaboradores de alguns dos ramos mais explorados da matemática moderna, como a Topologia e a Teoria dos Conjuntos. Além disso, publicou trabalhos filosóficos e literários, sempre adotando pseudônimos para evitar que os méritos ou críticas em uma área atrapalhassem aqueles obtidos na outra.
Em sua velhice, ainda em plena atividade, Hausdorff se deparou com um estranho fenômeno surgindo em seu país e em todo o mundo, um fenômeno social massivo que nem as forças de um gênio como ele poderiam combater, um fenômeno claramente desastroso, mas ainda assim crescente, que prefiro não nomear neste texto, mas que o leitor certamente pode imaginar qual seja.

Apesar de ser judeu, Hausdorff, sendo um respeitado professor de universidade que contribuía significativamente para a glória do nome de seu país e para o conhecimento humano como um todo, pensou que seria poupado da perseguição. Entretanto, sua matemática abstrata foi denunciada como "judia, sem utilidade e não-germânica", o que o fez perder sua posição em 1935. Em 1942 (veja que estamos falando de 7 anos de amargura imerecida na vida de um homem), o matemático já não podia mais evitar que fosse mandado para um campo de concentração e, aos 73 anos, foi levado a se suicidar, junto com a mulher e a cunhada.

Espero estar enganado, mas é para esse tipo de conjuntura que o mundo está se encaminhando. De novo.

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