Apesar de ser presença constante e indispensável nas ciências em geral, a matemática ainda hoje é injustamente vista como algo obscuro, quase esotérico, mesmo por profissionais competentes de áreas que se beneficiam diretamente dos resultados da matemática pura (engenharias, economia, física, química, etc.).
A atividade do matemático atuante (pesquisador ou mesmo simples estudante, como é meu caso) é bastante diferente daquela que filmes e séries fazem as pessoas imaginar que seja. Tanto assim que, no dia a dia, matemáticos de todas as áreas se deparam com opiniões equivocadas que os imaginam ou como gênios excêntricos com ideias inacessíveis ou como lunáticos ociosos que há muito tempo já abandonaram por completo o mundo dos fatos.
Nenhuma dessas pré-concepções está mais distante da realidade (exceto, talvez, em alguns casos extremos).
Para tentar corrigir essas pré-concepções, seguem listas sobre coisas que, tipicamente, matemáticos fazem, e coisas que matemáticos, tipicamente, não fazem.
- Coisas que matemáticos (em geral) não fazem:
— Um monte de contas;
— Ter insights repentinos com ideias que revolucionam a ciência;
— Inventar problemas artificiais apenas para atrapalhar a vida de estudantes;
— Tornar as coisas mais complicadas do que precisam ser.
- Coisas que matemáticos (em geral) fazem:
— Resolver problemas de caráter abstrato (mas que servem a algum propósito prático). Esses problemas nem sempre são numéricos;
— Em meio à miríade de problemas que o mundo real apresenta, selecionar aqueles que podem ser matematizáveis (isto é, que podem ser descritos por meio de ferramentas matemáticas), bem como tomar decisões sobre quais problemas de fato são dignos de atenção;
— Por meio de tentativas e erros, buscar aumentar as ferramentas matemáticas que podem ser usadas para descrever objetos, fenômenos e processos reais;
— Analisar ideias de outras ciências em busca de sua essência mais pura, extraindo-a das complexidades circunstanciais de seu ambiente de origem, a fim de poder usar essas mesmas ideias em outros contextos. Nas palavras de Joseph Fourier, "os matemáticos comparam os mais diversos fenômenos e descobrem as analogias secretas que os unem";
— Buscar criar fundações sólidas para as linguagens e para as relações lógicas que vão servir às demais ciências, com clareza e rigor;
— Ler, estudar, selecionar, traduzir e comparar textos antigos e modernos para, com base neles, preparar materiais atualizados para a realidade contemporânea;
— Treinar novos estudantes para que sejam capazes de interpretar e enfrentar problemas abstratos, bem como para propor novos problemas que de fato sejam significativos.
Nesse ofício quase artístico e até mesmo um tanto solitário, o matemático avança em atividades modestas dia após dia, realizando tarefas que, se consideradas isoladamente, podem parecer até mesmo insignificantes. Assim como o monge que dedica sua vida a preservar e fazer prosperar conhecimentos relacionados àquilo que ele entende por divindade, também o matemático, em sua humildade serena que não produz monumentos vistosos ou objetos palpáveis de valor comercial, dentro de seu gabinete ou em sala de aula labuta a passos pequenos em prol de um ideal contínuo da comunidade científica e da inesgotável curiosidade humana.
Nesse sentido, a matemática (assim como qualquer outra ciência) é um esforço coletivo de longo prazo, um edifício que cresce pedra após pedra rumo a um paraíso inatingível, mas que fica cada vez mais próximo; um paraíso similar à linha do horizonte para o navegador que sabe que nunca vai chegar a essa linha, mas que nunca teria desatracado do porto se ela não existisse. É conveniente, portanto, que o matemático de carreira tenha em mente as sábias palavras do poeta indiano Rabindranath Tagore: "Aquele que planta árvores, sabendo que nunca vai se sentar à sua sombra, no mínimo começou a entender o significado da vida".
Mas e quanto às atividades do dia a dia? Seriam elas, por si só (à parte de qualquer benefício teórico de longo prazo), interessantes o suficiente para manter entusiasmada e satisfeita uma mente que seja vívida e sadia, plena de energia? Seriam elas divertidas? A resposta curta é sim e não. O não é para aquelas pessoas que buscam na matemática apenas respostas prontas e diretas, sem desejar se aventurar por raciocínios mais aprofundados, ou para aquelas que em algum momento, por instrução insuficiente de seus mestres ou por consulta reiterada a materiais de má qualidade, abandonaram ou nunca desenvolveram o hábito de interpretar e inter-relacionar os resultados brutos da matemática pura, acreditando contentar-se com a frieza vazia de suas tecnicalidades desvinculadas de qualquer referencial. O sim, muito mais frequente, é para aquelas pessoas que encontram na matemática uma espécie de jogo ilimitado pleno de significado e desafios estimulantes, que (apesar das complexidades, ou talvez por causa delas) sentem prazer tanto na manipulação das regras do jogo quanto na exploração das infinitas nuances inesperadas que estão escondidas em cada tentativa de solução de um problema.
A matemática, tanto quanto a arte, a filosofia e os esportes, é uma das atividades humanas que, se for exercitada sob a tutela de pessoas mais experientes, torna-se natural e aprazível: uma atividade tão naturalmente humana quanto, digamos, escrever um diário ou treinar em uma quadra esportiva. Embora existam, sim, teorias matemáticas que sejam extremamente técnicas ou que estejam muito distanciadas daquilo que enxergamos como útil ou ao menos palpável, a essência da matemática como um todo é humana: está intimamente relacionada com a nossa experiência de interpretar o mundo em que vivemos.
A matemática é viva e palpitante, e suas raízes residem no coração de homens e mulheres com curiosidade ávida o suficiente para rasgar o véu da obviedade e explorar os confins de tudo aquilo que a realidade tem a oferecer.
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