segunda-feira, 24 de junho de 2019

O VALOR DA CIÊNCIA

Vi, hoje pela manhã, uma notícia indicando que um quarto da população brasileira acredita que a produção científica nacional não contribui em nada para o país. Em seguida, li um comentário de alguém dizendo que isso ocorre porque “90% de tudo o que as universidades brasileiras produzem em termo de pesquisa é irrelevante”. A pessoa que fez o comentário fundamentou tal opinião em um ranking que informava que, apesar de a USP ser uma das universidades que mais publicam, ela é a 775ª colocada em proporção de artigos “top 10”. Na visão do comentarista, esse dado bruto significa que a maior parte do que nossos pesquisadores fazem é mera perda de tempo.

Antes de uma reflexão mais profunda, pergunto: se o fato de o Brasil estar mal qualificado em um ranking significa que os estudos teóricos das universidades são irrelevantes, será que todos os escritores do mundo deveriam abandonar seus ofícios só porque nenhum deles nunca será Shakespeare ou Dostoiévsky? Seguindo esse mesmo raciocínio, será que devemos desincentivar todos os jovens estudantes que não tenham um QI acima da média, afinal eles nunca serão Einstein ou Feynman? Ora, sabemos que não é assim que as coisas funcionam. Uma civilização é construída e sustentada pelo mérito anônimo de incontáveis pensadores e trabalhadores comuns, e não pelo gênio inigualável de uns poucos indivíduos excepcionalmente brilhantes. Da mesma forma, a ciência só se mantém em crescimento sustentável pelo suor constante de vários professores e cientistas que, todos os dias, produzem artigos, escrevem ensaios, enchem quadros negros e, acima de tudo, buscam transmitir, mais do que conhecimentos, formas sensatas, produtivas e seguras de interpretação e discernimento.

O comentário pouco lúcido a que me referi no começo deste texto seria apenas mais uma demonstração de ignorância em rede social no meio do entulho generalizado que o Facebook está se tornando, e para ele eu nem daria atenção, se não fosse minha preocupação acentuada de que esse tipo de raciocínio simplório e equivocado esteja atingindo uma massa muito grande da população, turvando a lucidez até mesmo de pessoas com graus razoáveis de instrução.


O fato que quero evidenciar é o seguinte: Ciência não é apenas o somatório das tecnologias por ela produzidas: é, também, o refinamento da razão e a formação do caráter. Esse tipo de construção tanto intelectual quando moral e cultural não tem relação nenhuma com rankings baseados em critérios utilitaristas, e qualquer civilização que pretenda ser duradoura depende do bom desenvolvimento da ciência e do ensino, ainda que tal desenvolvimento seja limitado por fatores econômicos.

Embora a ciência produzida no Brasil não esteja nem de longe isenta de sérios problemas, dar uma atenção especial ao desenvolvimento científico e educacional de uma população e prestar-lhe respeito é requisito indispensável para o bem-estar dessa mesma população.

Cito meu próprio exemplo: o cerne das minhas pesquisas se concentra em Literatura, Linguística, Psicologia Teórica, Modelos de Conhecimento, Crítica Educacional e Filosofia da Matemática, áreas que – não tenho receio algum de falar e sou até o primeiro a reconhecer – não têm aplicação prática imediata alguma para a sociedade como um todo. Ocorre que, apesar de as minhas áreas de estudo não gerarem uma tecnologia visível para o uso instantâneo da população, são elas que investigam o escopo e os limites do conhecimento humano, são elas que asseguram as bases para que qualquer outra ciência ou tecnologia se desenvolva com o máximo de potência possível, são elas que fornecem o discernimento necessário para que se reconheça o que são fatos (objetivos) do que são valores (subjetivos) e para que não se confunda uns com os outros.

Saber distinguir fatos de valores e utilizar a razão para harmonizá-los em prol da sociedade, como um todo, e do esclarecimento das pessoas, individualmente consideradas, parece-me ser uma das missões mais urgentes de que nossa população carece. Todo o resto flui com rapidez e naturalidade quando esse tipo de ensino é eficaz, e os frutos são os mais valiosos que se pode conceber: liberdade, progresso e felicidade.

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