“Esperamos qualquer coisa do senhor, General, exceto uma
lição de geometria” – Pierre Laplace.
Exato. Isso mesmo. O famoso líder político Napoleão Bonaparte era um entusiasta da geometria. Conta-se que o imperador franco-italiano tinha frequentes aulas de matemática com um instrutor pessoal, simplesmente porque queria. Assim como qualquer pessoa sensata que já tenha tido contato com os portentos de lógica e criatividade da geometria, Napoleão compreendia que o aguçamento da percepção proporcionado pelo estudo da arte euclidiana, bem como a clareza mental por ela desenvolvida, são úteis em vários aspectos da vida – inclusive naqueles que, a princípio, parecem nada ter a ver com pontos, retas, ângulos e polígonos.
Desde seu desenvolvimento mais robusto na Grécia Antiga (e provavelmente ainda antes), a geometria sempre foi fonte de inspiração para arquitetos, pintores, poetas, pensadores, músicos e toda sorte de artistas e intelectuais ou pessoas de mente curiosa em geral. No caso do conquistador, dizia ele encontrar na geometria valioso fomento para questões estratégicas, dela retirando lições que posteriormente viria a aplicar em táticas militares e até em assuntos de política e liderança.
Com esse espírito sagaz, pleno de motivação e interesse, reconhecendo a indispensabilidade do estudo ao menos dos rudimentos da geometria demonstrativa, é de se imaginar que possivelmente Napoleão tinha conhecimento da máxima "que aqui não entre quem não conhece geometria", inscrita no pórtico da Academia de Platão.
Pois bem. Além de ser um interessado no desafios geométricos, há relatos de que Napoleão chegou a enunciar e demonstrar um teorema próprio. A história não é segura, e muitos autores consideram temerário atribuir a Bonaparte a autoria do teorema. Outros não apenas afirmam com segurança que foi ele o autor, mas chegam até mesmo a apontar as inspirações e motivações que o imperador teve para fazê-lo. Outros, ainda, alertam que associar o nome de Napoleão ao teorema não passa de reproduzir uma lenda.
Seja como for, trata-se de um teorema interessante. De enunciado simples, mas demonstração intricada, esse resultado é considerado o primeiro grande teorema sobre triângulos desenvolvido após a Grécia Antiga.
01 – O TEOREMA
Seja dado um triângulo $ABC$ qualquer e, sobre cada um de seus lados, sejam construídos triângulos equiláteros. Nessas condições, os centros dos triângulos equiláteros formam, eles também, um triângulo equilátero.
Eis o que o teorema nos diz:
Eis o que o teorema nos diz:
Sendo equiláteros os triângulos coloridos e sendo $O_1$, $O_2$ e $O_3$ os centros desses triângulos equiláteros, então $O_1O_2O_3$ é um triângulo equilátero, independentemente de qual seja o formato do triângulo $ABC$.
(Obs.: não é demais lembrar que, nos triângulos equiláteros, o centro é definido como sendo o encontro das bissetrizes, ou das mediatrizes, ou das alturas, ou das medianas: todos esses pontos são coincidentes nos triângulos equiláteros).
02 – AS DEMONSTRAÇÕES
Apresentarei duas demonstrações possíveis para o teorema: uma utilizando semelhança de triângulos e outra, mais simples, embora menos rigorosa, consubstanciada na construção de um mosaico. Ao fim, darei indicações de uma possível generalização do teorema.
Das demonstrações conhecidas, nenhuma é trivial. Por mais que o problema pareça simples, ele não é (embora também não seja o maior bicho-de-sete-cabeças). Por isso mesmo, recomendo demais que, antes de ler as demonstrações, o leitor tente, ele mesmo, encontrar sua própria demonstração para o teorema.
Prova 1 – Semelhança de triângulos
Dado o triângulo $ABC$ qualquer e construídos os triângulos equiláteros conforme descrito no enunciado do teorema, tracemos os segmentos que ligam cada extremidade dos triângulos equiláteros ao ponto do triângulo $ABC$ que lhe seja mais distante, da seguinte maneira:
Vamos considerar os triângulos $ABE$ e $DBC$ e mostrar que eles são congruentes entre si. Note que $\overline{AB} = \overline{DB}$ e que $\overline{BC} = \overline{BE}$. Além disso, $A\hat{B}E = D\hat{B}C$, pois cada um deles é a soma do ângulo $A\hat{B}C$ com um ângulo de $60^\circ$ (os ângulos $C\hat{B}E$ e $A\hat{B}D$, dos triângulos equiláteros coloridos). Assim, $\triangle DBC \equiv \triangle ABE$ e, portanto, $\overline{DC} = \overline{AE}$.
De modo análogo se mostra que $\triangle ABF \equiv \triangle ADC$ e que $\overline{BF} = \overline{DC}$.
Portanto $\overline{AE} = \overline{DC} = \overline{BF}$.
Guardemos essa informação.
Agora, vamos indicar os centros dos triângulos equiláteros $ABD$, $BCE$ e $CAF$ e traçar os segmentos de reta que os ligam aos vértices do triângulo $ABC$.
Para não poluir os desenhos, em cada etapa vamos indicar apenas os elementos que nos interessam.
Para não poluir os desenhos, em cada etapa vamos indicar apenas os elementos que nos interessam.
Vamos mostrar, agora, que o triângulo $O_3CO_2$ é semelhante ao triângulo $ACE$.
Com efeito, é possível perceber que $A\hat{C}E = O_3\hat{C}O_2$, pois:
$A\hat{C}E = A\hat{C}B + B\hat{C}E = A\hat{C}B + 60^\circ$.
E $O_3\hat{C}O_2 = O_3\hat{C}A + A\hat{C}B + B\hat{C}O_2 = 30^\circ + A\hat{C}B + 30^\circ$ (uma vez que $CO_3$ é a bissetriz de $A\hat{C}F$, bem como $CO_2$ é a bissetriz de $B\hat{C}E$), o que nos dá $O_3\hat{C}O_2 = A\hat{C}B + 60^\circ$.
Além disso, temos que $CO_2$ é o apótema do triângulo $CBE$ e que $CO_3$ é o apótema de $ACF$.
Isso nos dá que $CO_2$ = $\dfrac{\sqrt{3}\cdot \left(\overline{CB}\right)}{3}$ e que $CO_3$ = $\dfrac{\sqrt{3}\cdot \left(\overline{CA}\right)}{3}$. (Trata-se de um resultado bem conhecido, que o leitor pode verificar sem dificuldade).
Desse modo, temos que $\dfrac{\overline{CO_3}}{\overline{CA}} = \dfrac{\overline{CO_2}}{\overline{CB}} = \dfrac{\sqrt{3}}{3}$.
Assim, pelo caso lado-ângulo-lado, comprovamos que $\triangle O_3CO_2 \sim \triangle ACE$, com razão de semelhança de $\dfrac{\sqrt{3}}{3}$.
O mesmo raciocínio pode ser empregado para mostrar a semelhança entre os triângulos $O_2BO_1$ e $CBD$.
E entre os triângulos $O_1AO_3$ e $BAF$.
Em todos os casos, a razão de semelhança será de $\dfrac{\sqrt{3}}{3}$.
Dessa forma, pela semelhança entre os triângulos, obtemos a seguinte relação:
$\dfrac{\overline{O_3O_2}}{\overline{AE}} = \dfrac{\overline{O_2O_1}}{\overline{CD}} = \dfrac{\overline{O_1O_3}}{\overline{BF}}$
Mas, como $\overline{AE} = \overline{CD} = \overline{BF}$, chegamos à conclusão de que $\overline{O_3O_2} = \overline{O_2O_1} = \overline{O_1O_3}$.
Agora vamos realçar esses segmentos:
E assim provamos que $\triangle O_1O_2O_3$ é, de fato, um triângulo equilátero.
Prova 2 – Construindo um mosaico
Dado um triângulo qualquer (como o de lados vermelho, azul e verde, na figura abaixo) e construindo triângulos equiláteros a partir de seus lados, sempre podemos, por meio de rotações e translações convenientes, construir um mosaico, da seguinte forma:
Veja que uma tal construção é possível sempre, pois $\alpha + \beta + \gamma = 180^\circ$ (já que são ângulos internos de um mesmo triângulo) e cada ângulo colorido mede $60^\circ$, já que são ângulos de triângulos equiláteros. Ao redor de um mesmo vértice, sempre teremos, alternadamente, três ângulos de $60^\circ$ (resultando em $180^\circ$) e cada um dos ângulos $\alpha$, $\beta$ e $\gamma$ (resultando em mais $180^\circ$), o que, ao fim, totaliza uma volta completa ($360^\circ$).
Ligando os pontos centrais dos triângulos equiláteros, ao redor de cada um desses pontos haverá a junção de seis "pontas" de triângulos (os triângulos tracejados da figura). Esses triângulos tracejados são congruentes entre si, afinal se tratam de meras rotações isométricas. Portanto cada um dos ângulos internos desses triângulos tracejados deve medir $\dfrac{360^\circ}{6} = 60^\circ$, que é justamente a medida dos ângulos internos de um triângulo equilátero.
03 – GENERALIZANDO
O mais natural de se pensar, após conhecer esse intrigante teorema, é se ele não seria válido para outras formas geométricas, como quadriláteros, pentágonos, hexágonos, etc.
Em realidade, ele é válido sim!
Dado um polígono de $n$ lados que possa ser posto em uma transformação afim a um polígono regular, se, a partir de cada um dos seus lados, construirmos polígonos regulares de $n$ lados (todos para dentro ou todos para fora da figura central), os centros desses polígonos regulares delimitarão um polígono de $n$ lados que será, ele também, regular.
A prova disso fica a cargo do leitor 😈.
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