De todas as interpretações que já conheci quanto ao que se entende por matemática, a mais interessante delas é
a de Jordan Ellenberg, que afirma que "a matemática é a extensão do bom-senso
por outros meios", e não um conjunto de formulações complicadas que nos
afasta do mundo real, tornando difícil a interação com os fatos e resultando em
teorias que contrariam nossa observação de tudo aquilo com que lidamos na
prática. Muito pelo contrário, o ponto de vista de Ellenberg indica que a matemática,
por mais misteriosa que às vezes possa parecer, não é algo apartado da realidade, mas uma abstração (como tantas outras) que nos leva a enxergar mais
longe, e com mais nitidez e ceticismo, os fenômenos físicos e não-físicos do
mundo que nos cerca, tornando-os, na medida do possível, compreensíveis,
previsíveis e até mesmo simples e intuitivos.
Se, aceitos certos pressupostos
(axiomas), e após termos pensado no assunto por tempo suficiente, um resultado
matemático não nos parecer óbvio, ou pelo menos inevitável (ainda que muito
complicado, já que certos fenômenos são inerentemente complexos), isso só pode significar
que ainda não compreendemos aquele resultado em sua inteireza (ou que nos
equivocamos na construção da teoria, e ela, na verdade, é inconsistente – caso em que se trata de um erro, é claro, e não de um resultado válido).
Por isso, tenho para mim que,
entre duas teorias matemáticas que descrevam o mesmo fenômeno e que nos conduzam
a resultados equivalentes, uma é tão melhor do que a outra quanto mais naturais
nos parecerem suas notações (isto é, seus símbolos, seus códigos: sua linguagem). Isso se torna evidente,
por exemplo, quando tentamos resolver equações por vias retóricas, e não por meio
de símbolos algébricos, ou quando queremos solucionar um problema de geometria
sem efetivamente esboçar uma representação gráfica daquilo que ele nos propõe.
É nesse sentido, portanto, que
defendo que a matemática, entendida como uma linguagem, deva ser a mais simples
(embora não simplória) possível, buscando, além de eficiência e
inteligibilidade, uma certa conexão estética, lúdica até, entre seus códigos e
os significados que lhes possam ser atribuídos. Com isso quero dizer que, inclusive para estimular a criatividade, considero vantajoso haver vínculo
sensorial entre a grafia das regras operacionais de uma estrutura matemática e
a natureza (física ou não) daquilo a que essa estrutura originariamente se
refere (por mais que, no futuro, possa vir a ser aplicada em contextos
diferentes, quando poderá se sujeitar às adaptações convenientes).
Uma vivência minha que justifica essa
opinião foi o fato de, por alguns meses, eu ter sofrido certa dificuldade em
compreender um conceito envolvendo classes de equivalência em grupos algébricos
simplesmente porque a notação que estávamos utilizando em sala de aula não me
parecia de fato descrever o que a definição indicava. Quando mencionei à minha
professora que aquela notação me incomodava – embora eu não fosse capaz de
sugerir uma melhor –, ela disse, com a tranquilidade de quem já domina o
assunto e não se importa mais com meros detalhes como esse: “ah, alguns autores
usam essa outra notação aqui, ó”. E então, a partir daquele momento, como num
passe mágica, eu entendi de imediato
boa parte do conteúdo que estava me escapando.
É curioso como, apesar de
símbolos serem apenas rótulos para indicar objetos (de modo que um símbolo
deveria, em tese, ser tão bom quanto qualquer outro), a escolha de um símbolo
graficamente “indigesto” atrapalha a compreensão de seu significado. Trata-se, afinal, de uma questão humana. Não somos máquinas. Para o bem e para o mal, temos racionalidade atrelada ao coração,
não comandada por circuitos binários.
Isso me faz lembrar de que, em sentido similar, mas ainda mais geral,
Confúcio defendia que a solução de todos os problemas filosóficos dependem de
darmos os nomes corretos para as coisas, pois assim a verdade nos é revelada em plenitude, sem esforço. No mesmo espírito de enfatizar a força quase mística dos nomes e das palavras em geral, Borges não acreditava em sinônimos perfeitos nem em tradução
literal: para ele, cada palavra tem uma significação própria, de modo que “luna” (em
espanhol) não é a mesma coisa que “moon” (em inglês), pois, por mais que ambos
os termos supostamente indiquem o mesmo objeto físico, sempre há algo a mais
escondido no “sabor” das palavras, alguma conotação sutil em sua utilização num contexto ou em outro, alguma sensação
indizível evocada pela grafia e pela sonoridade, ou mesmo pela nossa interpretação subjetiva inevitavelmente condicionada às experiências pessoais que tivemos no passado. Com efeito, para mim, “luna” traz emoções de luz e alegria,
ao passo que “moon” insinua uma paisagem noturna carregada de mistérios
sombrios.
Mas voltemos à matemática, e também aos
questionamentos de adequação linguística que seus problemas suscitam, para
fazer uma última reflexão, desta vez acerca das vantagens que o estudo das ciências exatas confere em nível pessoal, para a formação humana daquele que se
dedica a seus ensinamentos.
Quero atrair a atenção para o fato de que, muito em razão do convívio rotineiro com
problemas que demandam raciocínio lógico sintetizado em uma gramática
límpida e precisa, podemos observar que – ao contrário do que supõe o senso
comum, que imagina matemáticos como pessoas que vivem no mundo da lua e que mal
sabem conversar – é entre os indivíduos com sólida formação matemática (como
físicos, estatísticos, programadores, cientistas e pesquisadores de ciências
exatas em geral) que se encontram os pensadores com maior domínio na clareza concisa
e na exatidão rigorosa da linguagem que utilizam. Ainda mais, essas pessoas,
quando ativas e curiosas, estão em constante contato com um apurado senso de
proporção, bem como com questões que exigem grande atenção quanto a quais
elementos são variáveis sujeitas a pontos de vista – relativizáveis, portanto –
e quais são consequências lógicas de que podemos ter certeza absoluta e contra
as quais de nada adianta protestar. Além disso, seus trabalhos se concentram
primordialmente nesses últimos elementos, que independem da vontade, ao
contrário do que acontece, por exemplo, com críticos literários, cujo ofício se
pauta essencialmente em opiniões, ainda que bem fundamentadas.
A questão se torna muito mais dificultosa, e premente, no caso dos juristas, para os quais o trabalho exige tanto ponderações humanistas de crenças, costumes e valores sociais quanto meticulosas análises objetivas concernentes à validade lógica de argumentos racionais e do próprio fundamento do ordenamento jurídico (ou sistema legal). Considerando isso, é assustador quando percebemos que, tradicionalmente, o ensino jurídico quase nunca oferece bases consistentes de introdução à lógica formal, de sorte que os operadores do Direito, nas mãos dos quais está depositada boa parte da organização da nossa sociedade e a garantia dos nossos direitos fundamentais, muitas vezes examinam com olhos míopes certas sutilezas da lógica, de forma que, não por maldade, incompetência ou sequer incapacidade, mas por falta de experiência no trato com questões de ciências exatas, acabam caindo em falácias e ignorando raciocínios básicos de silogismo, equivalência de uma proposição com sua contrapositiva, provas por absurdo, etc. Houvesse uma codificação capaz de fornecer símbolos com regras de operação bem definidas para gerenciar ao menos certas questões processuais estritamente objetivas, muitas pendências procedimentais poderiam ser solucionadas de modo mecânico, como na lógica proposicional ou no cálculo de predicados, minimizando a falibilidade humana e incrementando a segurança jurídica – além de facilitar o trabalho de advogados, promotores e juízes, por possibilitar que eles focassem seus talentos apenas nas questões realmente humanas, dependentes de valorações morais (insuscetíveis de mecanização), as quais já são, por si só, complexas o suficiente e tremendamente relevantes.
A questão se torna muito mais dificultosa, e premente, no caso dos juristas, para os quais o trabalho exige tanto ponderações humanistas de crenças, costumes e valores sociais quanto meticulosas análises objetivas concernentes à validade lógica de argumentos racionais e do próprio fundamento do ordenamento jurídico (ou sistema legal). Considerando isso, é assustador quando percebemos que, tradicionalmente, o ensino jurídico quase nunca oferece bases consistentes de introdução à lógica formal, de sorte que os operadores do Direito, nas mãos dos quais está depositada boa parte da organização da nossa sociedade e a garantia dos nossos direitos fundamentais, muitas vezes examinam com olhos míopes certas sutilezas da lógica, de forma que, não por maldade, incompetência ou sequer incapacidade, mas por falta de experiência no trato com questões de ciências exatas, acabam caindo em falácias e ignorando raciocínios básicos de silogismo, equivalência de uma proposição com sua contrapositiva, provas por absurdo, etc. Houvesse uma codificação capaz de fornecer símbolos com regras de operação bem definidas para gerenciar ao menos certas questões processuais estritamente objetivas, muitas pendências procedimentais poderiam ser solucionadas de modo mecânico, como na lógica proposicional ou no cálculo de predicados, minimizando a falibilidade humana e incrementando a segurança jurídica – além de facilitar o trabalho de advogados, promotores e juízes, por possibilitar que eles focassem seus talentos apenas nas questões realmente humanas, dependentes de valorações morais (insuscetíveis de mecanização), as quais já são, por si só, complexas o suficiente e tremendamente relevantes.
Por esses e outros motivos, mesmo
em assuntos não-exatos, como a ética e a estética, não consigo imaginar
qualquer progresso sustentável sem o estudo, ainda que paralelo ou colateral,
da matemática em sua gloriosa pureza.

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