terça-feira, 31 de março de 2020

ESTATÍSTICA, COMPREENSÃO DA REALIDADE e CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO MAIS SUSTENTÁVEL

"Nenhum astronauta se lança ao espaço com os dedos cruzados. Não é assim que lidamos com riscos" – Chris Hadfield.

No passado percebemos que boas intenções, sozinhas, nem sempre dão resultados positivos se não vierem acompanhadas de segurança racional quanto a causas e efeitos. As pessoas, em geral, aprenderam a lição, e hoje a única exigência que fazemos sobre um discurso para aceitá-lo é que ele seja lógico, sensato e consistente. Mas os desafios evoluem. No mundo contemporâneo, perceber causas e consequências já não é mais suficiente. É necessário ter uma visão probabilística da realidade.

Para todas as áreas, incluindo as humanidades (e principalmente nelas), ter ao menos noção dos rudimentos mais básicos de probabilidade e estatística já se tornou um requisito indispensável para que se possa construir, sobre os fatos, interpretações que sejam minimamente condizentes com a realidade.

Talvez eu esteja equivocado, mas tenho para mim que um estudo envolvendo fenômenos aleatórios (entendidos como aqueles que não estão sob nosso controle e cujas regras determinísticas não nos são inteiramente conhecidas: ou seja, quase todos) é um dos conhecimentos mais importantes que qualquer pessoa, de qualquer idade ou profissão, pode ter. Isso porque tal estudo facilita a visualização da distinção entre fatos e opiniões, bem como entre realidades e expectativas, e proporciona uma clareza de um novo patamar na compreensão do funcionamento do mundo, fornecendo, ainda, parâmetros de atuação para lidar com as incertezas inerentes a qualquer empreitada da vida, que é fecunda de riscos e surpresas.

O que falta às pessoas, além de saber que não é necessário ter domínio técnico de matemática complexa para conhecer as teorias estatísticas, é perceber que essas teorias não dão certeza sobre fatos, nem fazem predições exatas sobre o futuro. Muito pelo contrário, elas dão a medida segura do nosso grau de incerteza, isto é, elas revelam – e 
mensuram com objetividade – o quanto não sabemos sobre determinado assunto. Gostemos ou não, esse é o único caminho sólido para o conhecimento. Temos ciência disso desde pelo menos o "só sei que nada sei" de Sócrates.

A estatística é o meio mais avançado (ainda que insuficiente) que temos para fazer projeções para o futuro, mas, acima disso, é a ferramenta mais potente que desenvolvemos para entender o passado. Depois que os eventos acontecem, é fácil construir narrativas que os "expliquem", mas essas explicações que nos apaziguam são sempre insuficientes, quando não plenamente ilusórias (por mais que façam sentido), e isso é prejudicial para nossa aprendizagem até mesmo quando estamos na melhor das intenções. A estatística, aplicada retrospectivamente com base em dados passados para nos fazer perceber até que ponto estávamos corretos e até que ponto simplesmente demos sorte, é um termômetro para indicar até onde nosso conhecimento é realmente seguro, de modo a podermos embasar com objetividade nossas opiniões e valores para aplicar em ações voltadas ao futuro.

Humanistas fervorosos podem ficar em alerta: "Ah, então temos que tratar as pessoas como números, é isso?". E a resposta, surpreendentemente, é um estrondoso SIM!, mas um "sim" seguido de uma observação crucial: a única forma de se criar justiça social é avaliando os números e as possibilidades viáveis que eles nos apresentam, sem deixar de lado a sensibilidade e a empatia, mas usando os números justamente para refiná-las. Isso não significa que seres humanos devam ser tratados apenas como números. Isso significa que devemos levar em consideração não só nossas opiniões abstratas, mas também os números (que, curiosamente, são bem mais concretos do que as ideias que formulamos nos bancos das ciências humanas para explicar o mundo ao nosso redor – muito embora essas ideias também sejam absolutamente importantes). Em termos mais diretos: usar números para nos auxiliar na construção de um mundo melhor não é garantia de sucesso, mas deixar de usá-los é sinônimo de desastre.

No passado, jogadores de futebol eram avaliados pelas suas capacidades mais aparentes, pelas emoções imediatas mais palpitante dos técnicos e torcedores, sem levar em grande consideração uma amostra mais abrangente de números importantes. Compravam-se e vendiam-se jogadores com base na quantidade bruta de gols que eles faziam, na fama que a mídia lhes direcionava e em mais um ou outro atributo genérico de colorido mais chamativo. Quando o Oakland Athletics, um time secundário e sem dinheiro nenhum, quebrou o recorde de vitórias seguidas no maior torneio de baseball dos Estados Unidos ao usar modelos estatísticos para selecionar jogadores que o olhar humano não percebia que eram excelentes (jogadores que estavam sendo injustiçados, sem nem saber), o jogo mudou. A partir desse abrir de olhos, todos os grandes times passaram a seguir a lógica estatística, que confere tanto melhores resultados quanto menos preconceito na avaliação das habilidades humanas, tornando mais justos os processos seletivos.

Na estatística, existem muitos fenômenos contra-intuitivos. Conhecê-los é a melhor maneira de se precaver contra "armadilhas do destino". Um exemplo é o chamado Paradoxo de Simpson, que ilustro com o seguinte fato que parece contrariar o bom-senso, mas que é verdadeiro e recorrente: em termos percentuais, um time pode ser o primeiro colocado em cada uma das categorias em que for avaliado, mas, mesmo assim, não ser o campeão do torneio no somatório final.

Outro fenômeno contra-intuitivo? O famosíssimo Problema de Monty Hall: em um programa de televisão há três portas. Atrás de uma delas há um pote de ouro, e nas outras existem jumentos. Sem saber o que está escondido em qual porta, você escolhe uma delas a esmo. O apresentador, que conhece as posições, abre uma das portas que você não escolheu, revelando um jumento. Depois, ele pergunta para você: "você prefere manter sua escolha ou quer trocar de porta?".

Podemos pensar que, ora, existem duas opções das quais você deve escolher uma, então a chance é de 50% contra 50%, certo?

Não vou estragar a experiência do leitor. Pense sobre o assunto e depois me diga sua conclusão.

E outra pergunta antes de encerrar: eu lanço uma moeda 200 vezes, e em 147 dessas vezes a face voltada para cima é cara. Nas outras, coroa. Vou jogar a moeda mais uma vez, fazendo uma aposta de mil reais com você. Pensando na harmonia e no equilíbrio da aleatoriedade que rege o lançar de uma moeda e considerando todos os arremessos anteriores, você aposta em cara ou coroa? Ou acha que a escolha é indiferente e que a chance é a mesma? Deixe sua resposta nos comentários.

Em conclusão: fenômenos estatísticos contra-intuitivos estão no coração dos eventos que levam o mundo para um lado ou para outro (prosperidade para os povos ou desastre total, inclusive). Na política, na justiça social, na economia, no sistema de saúde, nos nossos relacionamentos amorosos, na evolução das espécies... são forças probabilísticas, e nem sempre as narrativas da televisão ou mesmo dos argumentos apostilados, que fazem a realidade ser como é (e poder ser como será). Para conseguirmos tomar as rédeas para tentar guiar o futuro, probabilidade e estatística são indispensáveis (no sentido mais rigoroso da palavra).

E até mesmo para compreender quem somos em essência, para além das sortes e vicissitudes das aleatoriedades do mundo, insisto: estude estatística!

***

Algumas sugestões de leitura com abordagens tão acessíveis quanto brilhantes do tema:

– O Poder do Pensamento Matemático: a ciência de como não estar errado, de Jordan Ellenberg;

– O Andar do Bêbado: como o acaso determina nossas vidas, de Leonard Mlodinow;

– Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caso, de Nassim Nicholas Taleb;

– Acaso: como a matemática explica as coincidências da vida, de Joseph Mazur.

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