segunda-feira, 18 de maio de 2020

IMAGINAÇÃO, CRIAÇÃO E EDUCAÇÃO NA REESTRUTURAÇÃO SOCIAL

"A personalidade criadora deve pensar e julgar por si mesma, porque o progresso moral da sociedade depende exclusivamente da sua independência" – Albert Einstein.

Por mais que fosse desejável que, na quarentena, cada pessoa aproveitasse o tempo ocioso para desenvolver habilidades que no dia a dia, por suposta falta de tempo, sempre postergamos para um futuro indefinido que nunca chega, sabemos que isso é difícil de acontecer. Poucos são os indivíduos que, sem uma motivação externa ou ao menos alguma pressão comunitária, disciplinam-se sozinhos na construção de saberes.

Não há nada de errado nisso. Momentos de dificuldades gerais e incertezas coletivas causam tensão emocional, e tensão emocional desequilibra os ânimos de qualquer um. Não sabendo como será o amanhã e não podendo lutar hoje de modo ativo, refugiamo-nos em rememorar o passado, pensar em épocas mais doces, reviver em pensamento relacionamentos antigos, amizades saudosas, diversões de outrora. Eu, por exemplo, atualmente só estou conseguindo ver filmes a que eu já havia assistido diversas vezes antes, achando um tanto estranho começar novas experiências cinematográficas enquanto o resto da vida fica em suspenso. Trata-se da memória afetiva em ação, o instinto de conforto e de autopreservação fazendo-se presente. Por isso, ninguém deve estranhar agora se de vez em quando se flagra pensando em um ex-namorado que parecia não significar mais nada ou se passa a se sentir desconfortável no início de novas atividades não-rotineiras. Os sonhos, por sua vez, fazendo o contrabalanceamento psíquico que lhes são devidos, tendem a ser mais bizarros nesta época, para compensar a diminuição de ação na vida prática diária.

Essa questão – a dos sonhos – é muito importante, pois indica que temos uma energia interna que nos propele à vida e à ação, uma luz vital, às vezes mais, às vezes menos potente, mas sempre acesa, que pode ser direcionada para atividades produtivas ou para a destruição. Domá-la, instruí-la e redirecioná-la com lucidez nem sempre é tão fácil. Muitas vezes é difícil sequer saber qual rumo dar a ela, quanto mais encontrar meios de fazê-lo.

Esse princípio fundamental precisa ser levado em consideração no momento atual. Exceto para as pessoas que foram diretamente afetadas pela pandemia em suas consequências mais graves – seja adoecendo, seja perdendo alguém querido, seja suportando severos impactos econômicos –, as épocas mais difíceis ainda estão por vir. As semanas e meses vindouros serão os de reconstrução social, tirando-nos da letargia anestesiante e pondo-nos num mundo em turbilhão. Teremos de reestruturar nossas vidas não apenas em âmbito interno, mas em relação às outras pessoas, aos nossos amigos, parentes, professores, chefes, enfim, à toda a sociedade. Não será apenas uma reinserção social (como quando adentramos em uma escola nova na qual não conhecemos ninguém e ainda não percebemos as regras tácitas daquele meio), mas uma verdadeira recriação de hábitos, costumes, percepções, crenças, valores e esperanças.

Para pensar mais a fundo sobre esse tema, indico fortemente o livro "Por que os homens vão à guerra?", do Bertrand Russell. Apesar do título, o livro trata de temas mais abrangentes, em especial a respeito da reestruturação social (em sentido amplo, não apenas no pós-guerra) e sobre a reforma benéfica dos nossos modos de vida.
A tese principal apresentada por Russell é a de que os impulsos humanos podem ser classificados, idealmente, entre os possessivos e os criativos, conforme tenham o objetivo de adquirir e manter para si algo que não possa ser compartilhado ou o de trazer para o mundo alguma coisa de valor. Caso nossas energias internas (emocionais, psíquicas, intelectuais, amorosas, etc.) não se direcionem aos impulsos criativos, elas caminharão inevitavelmente para os possessivos, quase sempre redundando em intolerância e destruição. De acordo com Bertrand Russell, "o Estado, a guerra e a propriedade são as principais corporificações políticas dos impulsos possessivos; a educação, o casamento e a religião devem corporificar os impulsos criativos, embora o façam de forma extremamente inadequada nos dias de hoje".

A tarefa de uma reestrutura social é incentivar os impulsos criativos e diminuir, tanto quanto possível, os impulsos possessivos/destrutivos. "A libertação da criatividade deve ser o princípio da reforma, tanto na política quanto na economia", defende Russell.

É curioso notar que, mesmo sendo alguém dotado de um intelecto prodigioso e rigorosíssimo, Bertrand Russell percebe, e torna isso evidente em seus escritos, que não é a razão, sozinha, que vai fazer com que diminuam os impulsos destrutivos humanos. "A razão", segundo ele, "é muito apática para compor uma vida boa. Não se deve prevenir as guerras [e outros males] só com a razão, mas sim com uma vida positiva de paixões e impulsos contrários àqueles que levam à guerra. É a vida do impulso que precisa ser transformada, não apenas a vida do pensamento consciente".

Nesse sentido, um dos poucos caminhos mais seguros, embora cercado por precipícios tenebrosos de totalitarismo político e neutralização da liberdade individual e de tudo aquilo que existe de valioso na alma humana, é o da educação libertadora, voltada ao desenvolvimento da autonomia e à liberação positiva da criatividade. Essa educação construtiva, feita na escola e em casa, praticada em conjunto com outros e também na nossa própria intimidade, manifestando-se com intuito de abrir as portas das formas de pensar e das formas de agir, deve estimular de modo efetivo o preceito do "conheça a si mesmo" e incentivar o desenvolvimento prazeroso das habilidades individuais, nunca negando a ciência e a razão, mas complementando-as com cultura, amor, arte, poesia, entretenimento, jogos, diversão. A base disso tudo é o tripé composto pelo autoconhecimento, pelo respeito ao próximo e pela valorização não apenas da criação em si, mas do próprio ato criativo.

Quem não imagina e não produz, definha. Quem definha, destrói o que outros produzem. Por outro lado, uma pessoa plena em seus potenciais, que trabalha e se diverte com o que sabe fazer de melhor, não inveja os outros; pelo contrário, vê beleza nos serviços dos demais e incentiva seus sucessos, mesmo quando estes são muito maiores do que os seus próprios.

É como sugeriu meu professor-orientador, comentando sobre nossa dedicação ao que estudamos: "a gente fica na nossa matemática, que é o que a gente gosta e onde a gente encontra nosso significado, e torce pelo melhor das outras pessoas, cada uma em sua área, assim como esperamos que elas estejam torcendo por nós". Para a gente, provar um teorema é um ato tão inventivo e satisfatório como compor uma música, para quem toca algum instrumento, ou pintar um quadro, para quem é das artes plásticas, ou desenvolver uma vacina poderosa, para os bioengenheiros. Claro que isso não significa que vamos nos alienar dos outros ramos dos saberes, pois o conhecimento multidisciplinar (ou pelo menos o interesse em uma pluralidade integrada de assuntos) é essencial no desenvolvimento humano e na compreensão da realidade a fim de nela podermos intervir, mas o foco maior deve ser em um campo bem delimitado de estudos, com método e disciplina, caso contrário a mente se perde em devaneios vagos e improfícuos.

A percepção que devemos ter, e a qual convém inspirar em quem está ao nosso redor, principalmente nos jovens e nas crianças, é que esse foco apaixonado em algum ramo específico só atinge sua máxima força e alta produtividade prática se a ele nos sentirmos vinculados de modo ativo, e de modo ativo com a mente, o corpo e a alma. Temos de estar no centro da "ação", mesmo que seja uma ação contemplativa, abstrata, como no caso da matemática. Esse senso de ação e vínculo integral provém da atividade genuinamente criativa, e não da simples reprodução de tarefas ou da absorção passiva de informações. O ser humano existe para a criação, não para agir como um autômato ou um escravo que se imagina livre sem realmente sê-lo ou sequer saber o que a liberdade de fato significa.

Por isso, aja "à imagem e à semelhança do Criador" e... crie! Sem receio de errar, sem medo de ser insuficiente, apenas por simples prazer, mas se possível com seriedade, com toda a sua boa-vontade: crie! Uma música, um poema, um jogo, um artigo científico, um bordado, uma pequena inovação no seu serviço, um diferencial para a sua empresa, uma receita culinária, um programa de computador, um artesanato, um lance esportivo, uma narrativa curta, um personagem, uma brincadeira, uma nova forma de demonstrar carinho por quem você ama. Não importa o quê. O que você puder, como você puder, quando você puder, apenas crie. Movimente suas energias para o bem. Para o seu próprio bem e, consequentemente, para o bem de toda a comunidade. Pois um único coração é um mundo inteiro, e se as cordas de uma alma vibram, vibra todo o universo em sincronia.

Se não alcançar originalidade no conteúdo, apenas seja comprometido na composição e se expresse com sinceridade (mesmo se ninguém estiver vendo); esse é o importante e é assim que a nossa personalidade se constrói e se amplia. Lembre-se das palavras de Thiago Mello: "Não tenho caminho novo, o que tenho de novo é o jeito de caminhar".

Grato pelo incentivo que a obra do filósofo inglês representou na minha visão de mundo, tornando-me mais ativo e criativo, encerro estas reflexões transcrevendo o trecho de uma carta que o poeta Arthur West, tornado soldado na Primeira Guerra Mundial, enviou para Bertrand Russell (um grande criador intelectual e inspirador do prazer criativo nas pessoas), poucos meses antes de ser morto no front ocidental:

"É só por causa de reflexões como as suas, por causa da existência de homens e mulheres como o senhor, que parece valer a pena sobreviver à guerra. O que temíamos, antes da publicação de seu livro, era que não encontrássemos mais ninguém na Inglaterra que a reconstruísse conosco. Lembre-se, então, de que estamos dispostos a fazer depois da guerra duas vezes mais do que fizemos durante o conflito, e que após ler seu livro essa decisão se tornou mais forte do que nunca. É por sua causa que desejamos continuar a viver".

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